18/07/2009

CORITIBA = ABUNDÂNCIA DE PORCOS.

Extraído da Gazeta do Povo, dia 19 de abril de 1999.
Curitiba e Coritiba, 306 anos entre pinheiros e tatetos.
Valério Hoener Júnior
A análise do topônimo Curitiba, para que dela se obtenha um entendimento fácil a respeito do seu significado, exige alguma precisão técnica, vez que o termo, como ele é hoje escrito, foi objeto de um curioso processo metonímico.
Para a necessária compreensão de um público leigo, eventualmente interessado, resume-se o problema no simples significado do topônimo diante de três étimos guaranis, curiy, designativo de pinheiro, curé e coré, que significam porco.
O resultado destes radicais associados ao sufixo tupi tiba, que designa quantidade ou abundância, concorreu para a formação de dois substantivos parecidíssimos, Curitiba e Coritiba, diferentes apenas por uma letra. Mas até chegar a estas formas passaram, ao longo dos três últimos séculos, por incontáveis variações - Coré-etuba, Coretiba, Coreitiba, Coritiba, Corituba, Curetiba, Curiyatiba, Curiyatuba, Curiytiba, Curituba, Curutiba, Curityba e Curitiba, entre outras -, o que acabou por produzir uma anarquia ortográfica identificada e registrada pelo historiador Ermelino de Leão no Dicionário Histórico e Geográfico do Paraná. O nome da capital paranaense constitui pois "uma grande metonímia toponímica", conforme menção do filólogo Francisco Filipak em seu trabalho Curitiba e suas variantes toponímias, que certamente virá logo a público.
O processo ortográfico dessas duas formas vocabulares praticadas modernamente atende com perfeição à lógica da filologia pois, apesar da semelhança existente entre si, ambas possuem origem absolutamente diversa.
Tomados os radicais guaranis curiy e curé ou coré, o primeiro designando pinheiro e os demais porco, tem-se que Curitiba, variante sincopada de Curiytiba, quer dizer abundância de pinheiros e Coritiba, curé + tiba ou coré + tiba, abundância de porcos.
A ortografia atual e oficial - Curitiba - foi estabelecida por decreto do então presidente do estado do Paraná, Affonso Alves de Camargo, em 1919, que levou em conta, na ocasião, ser o nome da cidade grafado comumente de diferentes formas; apresentava-se pois a conveniência de estabelecer-se-lhe a uniformidade. Assim, oficialmente, foi decretada a grafia Curityba, com ípsilon que só foi alterada em 1943, quando a reforma ortográfica permutou os ípsilons pelos is, transformando assim, naturalmente, o sufixo tyba em tiba.
O nome da cidade passou, então, a partir de 1919, a significar abundância de pinheiros, descartada qualquer outra tradução, uma vez que tenha sido adotada a corrente do étimo respectivo, curiy. Essa tradução ficou longe, portanto, da resultante Coritiba (coré = porco + tiba = abundância), criada supostamente pelo cacique tingüi - Coré-etuba -, forma atual apenas do nome da sociedade Coritiba Football Club, que, por razões de conservadorismo com base na tradição, fundada que foi, em 1909, quando grassava a anarquia ortográfica mencionada por Ermelino de Leão, prefere manter ainda hoje a forma original, inclusive os componentes de língua inglesa.
Curitiba possui, assim, um étimo e Coritiba outro. Prova disso é o referido cacique tingüí, imortalizado na cena da fundação da cidade, que, ao conduzir por volta de 1654 os moradores da Vilinha das margens do Rio Atuba à bela colina que é hoje a Praça Tiradentes, situada entre duas aguadas piscosas e farta em caça especialmente catetos, não teria tido a ingenuidade - pronunciando taki keva: Coré-etuba! - de apontar-lhes o óbvio, ou seja, os pinheiros existentes por toda parte, copadas a perder-se no horizonte. Quis mesmo, o cacique, dizer àquele povo humilde, privado de repente dos seus garimpos, das condições ideais do local que conscientemente indicava para assentamento, fauna e flora, com fácil subsistência tanto pelas muitas varas disponíveis, o que afirmou, quanto pelo lugar proveitoso que mostrou, servido ainda pelos rios Ivo e Belém.
(Valério Hoerner Júnior, professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, pertence à Academia Paranaense de Letras).